sábado, 9 de janeiro de 2010

CARMINHO ABRE FAMAFEST 2010

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CARMINHO A NOVA VOZ DO FADO
Falemos de Carminho. A voz é magnífica, de eleição, um pouco rouca, inconfundível, uma daquelas vozes que foram feitas para a dolência do fado, para a emoção do lamento da guitarra, para a alegria dorida da marcha do bairro popular, que é outra forma de fado. Uma voz como raramente se descobre, numa jovem, de 24 anos. Com uma segurança de timbre notável, uma melodia de sílabas invulgar (pode descobrir-se um bom cantor pela forma como resolve a fraseologia do que canta, pelas pausas, pelo arrastar das sílabas, pelas forma como as ligas ou trunca).
Mas há mais. O fado bem cantado, canta-se com todo o corpo. Canta-se com a alma e com as vísceras, os músculos, os nervos. Olhos negros, cerrados, mãos crispadas, braços lançados como aves em arranque de voo, todo o corpo vibra com as palavras que se desatam da emoção. Aqui não há artifício, há sinceridade, entrega, espontaneidade, as palavras não se soltam somente da boca para o ouvinte, mas brotam do mais profundo, do mais íntimo de um corpo em entrega total.
Carminho, em 2009, é um cristal em estado puro. Felizes aqueles que a ouvem agora, que a vêem nesta altura da sua carreira. Mais tarde ou mais cedo, o cristal vai ser burilado, vai adquirir mais técnica, poderá melhorar o estilo, aprimorar o que há de pessoal na voz. Mas alguma coisa se irá perder, essa pureza quase inocente de quem se entrega toda ao seu fado, ao nosso fado. Foi um prazer enorme ver e ouvir Carminho. Mais uma carreira, uma vida a seguir com paixão.
O fado em Portugal está bem e recomenda-se. (Lauro António)


CARMINHO POR ELA PRÓPRIA
Chamo-me Carminho, tenho 24 anos, sou fadista e edito agora o meu primeiro álbum. Alguns de vós conhecem-me, já me ouviram cantar ou já ouviram falar de mim. Outros não fazem a mais pequena ideia de quem eu sou. Mas é para todos que eu conto aqui a minha pequena história.
Nasci Carmo Rebelo de Andrade, em Lisboa, filha da fadista Teresa Siqueira e de Nuno Rebelo de Andrade (que não canta mas que diz ser fadista também quem ouve). E, apesar de ter ido viver para o Algarve, o fado esteve sempre comigo. Os meus pais organizavam tertúlias de fado e em casa ouvíamos discos de Lucília do Carmo, de Fernando Maurício, de Amália Rodrigues... De volta a Lisboa, estreei-me a cantar em público, aos doze anos, no Coliseu. A partir daí comecei a cantar regularmente na Taverna do Embuçado, em Alfama, onde tive grandes mestres: a minha mãe, claro, mas também Beatriz da Conceição - com quem aprendi imenso -, Fernanda Maria, Alcindo Carvalho, Paquito, Fontes Rocha, memórias vivas da verdadeira essência do fado. Sentada na mesa da Bia, ouvia com atenção as mil e uma histórias de noites e fadistas. Os tiques e graças, tudo o que tinham para me ensinar... Mas o melhor era quando a luz se apagava e lá iam eles, dar-me a mais verdadeira das lições. Tenho também uma admiração profunda por outras pessoas do fado como Maria Teresa de Noronha, Maria José da Guia, Carlos do Carmo, Fernando Farinha, Camané, entre outros.
Há três anos concluí o meu curso de Marketing e Publicidade, mas ainda durante a faculdade percebi que o meu futuro - porque também já era o meu presente - era cantar fado. Depois de uma viagem à volta do mundo que durou um ano e em que participei em acções humanitárias na Índia, Camboja, Peru e Timor, consegui olhar-me de fora para dentro e descobrir que a minha verdadeira vocação era mesmo o fado.Voltei a cantar na casa de fados, a Mesa de Frades, onde estou todas as segundas e quartas-feiras, cantei na Casa da Música, na Festa do Fado (ao lado da minha mãe e do meu irmão Francisco), no espectáculo comemorativo dos 45 anos de carreira de Carlos do Carmo, na Expo de Saragoça e na recriação de «Amália à L'Olympia». Para trás, nesta minha história, ficou a participação, entre outros, no disco «Fado - Ontem, Hoje e Sempre», no filme «Fados», de Carlos Saura, e concertos na Argentina, Suiça e Malta. Recebi o Prémio «Revelação Feminina» da Fundação Amália Rodrigues.
Durante muitos anos, houve muita gente que me considerou a «grande esperança» do fado. A todos eles - e aos outros que sempre tiveram boas palavras para mim - agradeço-lhes do fundo do coração. Mas também tenho a dizer-lhes que esse carimbo, ia chamar-lhe esse fardo, caiu sobre os meus ombros como uma responsabilidade enorme. E, também por isso, só agora gravei o meu primeiro álbum. Até aqui, ainda não me tinha sentido capaz de vir a poder defender um disco inteiro, um pouco à semelhança de um bom trabalho de faculdade mas que depois tem que ser apresentado oralmente: a teoria pode estar perfeita mas se não estamos seguros da matéria, não a podemos defender.
O meu primeiro disco chama-se «Fado». Não podia, e digo-o com humildade, chamar-se outra coisa. Por respeito às minhas raízes, ao fado e a mim própria. E este disco sou eu. O meu passado (fados que sempre cantei), o meu presente (a evolução que o meu fado tem sofrido ao longo dos anos) e o meu futuro (em que irei, ainda mais, deixar-me guiar pela minha sensibilidade). Neste álbum tive a companhia de Diogo Clemente - produtor e violista deste disco, amigo e conselheiro que me acompanhou desde o início da escolha de reportório e até ao fim - e de alguns dos melhores músicos de fado: Ricardo Rocha, José Manuel Neto, Bernardo Couto e Ângelo Freire, todos na guitarra-portuguesa, e o viola-baixo Marino de Freitas, para além da participação especial do contrabaixista Carlos Barretto no tema «Espelho Quebrado». Sinto-me muito orgulhosa por existirem músicos como eles em Portugal e particularmente honrada por tê-los tido comigo. Espero que gostem deste meu primeiro passo. (Carminho)

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